29.6.04

MEMÓRIAS EM VINIL

"(...) Onde o cheiro da esteva sobre a vila
o trigo para o campo do olhar
as estrelas abertas pelo céu
?"
(Ruy Belo)


Em 45 rotações, com o pó a entranhar-se nas notas. Rasgando o silêncio, vozes de outrora ecoam nostalgias presentes em melodias do passado. Retalhos de vidas, cosidos nas notas de música. Instantes que se encadeiam e enraizam em nós fragmentos, imagens de outras épocas. E à medida que o som avança a memória percorre, em sentido inverso, as rotações dos pequenos discos de vinil, colando-se-nos à pele, em flashbacks revisitados. No final, a fita desenrolada de memórias tem o sabor de desarrumo, de exposição inútil que só faz sentido quando não temos mais espaço para gravar as nossas próprias memórias. E são sons transportando excedentes de imagens, extravasadas de sentimentos, religiosamente guardadas, qual Cinema Paradiso.
Coleccionar, recolhendo pelos cantos da casa e da alma, o som implorante de ne me quitte pas, os passos de la valse à mille temps e os destroços de um amor de milord. Ou o aroma de planter café, em voz cálida, que nos tropeça o desejo.
Afinal, são sons, como tantos outros, que quebram os silêncios, o de Sara, interior mas palpitante, o de Ana, em palavras não ditas mas entendidas e o meu, entretecido de memórias herdadas e de outras, que eu juntei no dia-a-dia dos meus dias.

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