2.10.04

Lianor, pela verdura


Descalça vai para a fonte
Lianor, pela verdura;
Vai fermosa e não segura
...

O passo acertado pela pressa, cortou o ar em balançar seguro e ritmado. O sol ressaltava o brilho da manhã, lustrando as pedras, unidas em traçado de desenhos de basalto, enquanto na calma do mosteiro, pedra branca arrancada em rendilhados de formas estranhas, cheias de mistério, contrastava a saia ondulando em rodopio de dança, as mãos apertando o perfume das sardinheiras transbordantes em taças alinhadas na faixa de buxo.

Leva na cabeça o pote,
Os testos nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata


Na claridade coada através de fios de água, lançada em desafio no grande lago, transparece o bloco de pedras cimentadas como muros de castelo ou fortaleza. Lá dentro, protegido por silhuetas de oliveiras, o sonho espera. Em ziguezague, contorna o labirinto de verdura, conhecidos percursos em brincadeiras de lazer, e pisa a entrada larga de escadaria dupla, como sonhos desdobrados em apetências futuras. Cruza o espaço em céu aberto, e a luz atinge o rosto cegando os olhos por momentos. Só então se detém, procurando equilíbrio em visão clara, despudorada. E divisa o pequeno muro lateral, cheio de azul de mar e céu, coalhados dourados, caindo na cabeça curvada sobre o livro. Sorri. Hesita no caminho a seguir, descobrindo novas direcções convergentes num mesmo ponto. Passo solto, decidido, encurta a distância, suavizando o ritmo, como a querer chegar em silêncio. O cheiro a maresia levanta a névoa e o rosto abre-se em sorrisos. Chegou.

Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura:
Vai fermosa, e não segura
.

(Luís Vaz de Camões)

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