27.6.05

casas da minha infância

 21996188_dcbbb959ea.jpg
(Luís M. Gomes)


Agora a casa permanece encerrada num espaço rodeado por muros, o portão fechando o cerco. Acrescentaram-lhe um terreiro nas traseiras e o muro de alvenaria, rendilhado, desapareceu dando lugar a uma cerca de canas muito juntas que separa o olhar da ravina sobre a praia. Mas nada detém o mar. No seu vai-vém embalado nas areias mantem-se o mesmo.
O ar enchia-se de um cheiro forte a algas, entrava pelo alpendre crestando-nos o desejo de provar a maresia escondida no marulhar da sua fala. E lá íamos, sol brilhando entre a folhagem larga das figueiras junto à casa, apanhando o caminho traçado apenas pelos passos. O avô seguia à frente comandando o batalhão não fosse algum soldadinho escorregar pelo barranco de terra cor de canela. E o cuidado nos pés era adocicado em arrepio de prazer pela proximidade do precipício.
Desvio a memória e olho-a. Parece abandonada em descolorido de emoções. Os canteiros entre os pilares guardam a terra ressequida onde as sardinheiras haviam dominado. Ladrilharam o chão de novo, forraram de azulejos os bancos e repovoaram de telhas o alpendre. Mas a porta continua fechada. Ocupa o espaço murário entre as duas janelas separando, em jeito simbólico, duas épocas.


Sem comentários: