22.8.05

o desafio de Pêndulo...


Morrerias antes de mim?
Morreremos ao mesmo tempo, disse-te nessa altura.

Perpassa no teu rosto o cansaço do tempo. Moves-te na displicência dos dias alagados em monotonia de gestos, em secura de hábitos marcados pelas horas. Como marcaram a tua pele de finos vincos onde se divisa cada caminho, cada percurso de afectos já exaustos.
Olho-te as mãos, suaves ainda. Eram como veleiros deslizando em maré vaza preenchida em urgência de vagas de paixão, assaltando a amurada dos nossos corpos. Suave é, também, a lassidão que me invade e me deixa a alma exaurida.
Não me reconheço no olhar que lanço ao espelho dos teus olhos, tal como me parece longínqua a voragem selvagem partilhada em ânsias de juventude. A que perdemos nas marés inquietas, vivas, dos longos dias que nos acolheram.

Nem mesmo os gostos são os mesmos, na solidão que nos rodeou, implacável e irredutível, de dois seres distanciados pela proximidade dos anos. Divergimos, criando mundos impenetráveis a cada um de nós. Maquinalmente, os gestos repetem-se. Esquecemo-nos de os decifrar e, até, de os percepcionar.
Hoje, procuramos os espaços em que não colidimos, tentando preservar ou recuperar uma identidade quase diluída no outro. A ternura, cansaço de muitos momentos vividos em intensidade de infinito, buscamo-la no brilho baço de cada carícia, no som inaudível de cada palavra.
Sabemo-nos unidos pela fragilidade de memórias, de cumplicidades vividas e partilhadas sem nos termos apercebido do desgaste, do fluir do tempo.

Por vezes imagino a tua ausência. E há um silêncio maior que se instala. Vagueio então pela casa, sentindo-te como sombra que não consigo tocar nem tão pouco apagar. E os sons que ouço, não são os que tomaram forma no correr dos anos, aqueles que tu não partilhavas, mas os outros, teimosamente sobrepondo-se aos meus – os teus sons.
Como um estigma que me atormenta e reaviva a tua presença. Até o meu respirar estaria viciado do teu hálito.
Por isso te digo, hoje. Morrerei primeiro, porque só assim me libertarei de ti.



peguei na tua temática e recriei-a em palavras minhas. é apenas um texto, uma interpretação entre uma infinidade de hipóteses.

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