30.8.05

you can leave your stockings on...

>Recebendo a quentura derramada sobre o rosto, inclinava a cabeça para trás sentindo deslizar sobre as costas o fio de água escorrendo do cabelo entrançado nos dedos.
Há muito que ganhara o hábito de não se enrolar na toalha depois do duche. Saltava da banheira, pés molhados deixando marcas no soalho, sentava-se no chão junto à janela, deixando o sol secar-lhe as gotas de água, lentamente.
Nesse dia, a irritação deu lugar a um gesto brusco. Passou por ele sacudindo gotículas translúcidas em jeito de discussão e surda às exclamações zangadas, revolve gavetas descarregando a fúria sem procurar nada em especial. Mãos crispadas sobre uma peça de roupa, senta-se na beira da cama desenrolando o que apanhara sem ver. Meias. Um par de meias pretas. Perdida em espanto enfurecido mas sabendo-se observada, estica o pé e começa a calçar a maciez do tecido. Lentamente, como o sol na sua pele húmida. Também lentamente, deixa enredar os dedos nas dobras da malha fina, puxando-a com suavidade, moldando-a ao contorno do pé em apetecido contacto. Como uma carícia. Duplamente.
Dá-se conta do silêncio. Um pouco em sobressalto, vira a cabeça e encontra o olhar fascinado, preso ao movimento das mãos. Quente, cheio de um calor que os olhos captam e o corpo absorve. Como um trago de vinho aveludado inebriando os sentidos.
O coração salta forte, incontrolável. E há duas respirações entrecortadas que se procuram, se necessitam. Já não sabe se a fúria se esvai no desejo ou se o desejo enlouquece de fúria. Intenso. Insaciável. Completo.
E o sol já não seca as gotas de água. Incendeia, ainda mais, o fogo dos corpos em luta.

Laura não se lembrava da razão da zanga, mas não se esqueceria como um par de meias podia desempeçar um amuo.



foto: sweetcharade

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