7.10.05

vila conceição




Final de tarde, final de verão. Em múltiplos finais caminho, talvez temendo o final derradeiro em tanto abandono.
Nos interstícios da memória, o sol. Cobrindo os espaços, dançando no teu sorriso, sereno, unindo a vida, o quotidiano. São os passos que soam no caminho, remexendo o restolho queimado ao abandono das mãos e da chuva, não pelo avanço progressivo da estação. Faz-se tarde e vejo-te, em tons de azul-cinza no vestido, porque esse olhar, o da avó, nenhuma de nós o herdou, beleza sábia e fria, desprendida de emoções. Castanho-mel era o teu sorriso, igual ao do avô que se despedia de ti sabendo não voltar a ver-te, e a cor rebrilhava salpicada de névoa, nos teus e nos dele. Tinham a mesma serenidade que não consigo ter, interrogo-me qual a certeza que detinhas, tudo se organizava à tua volta. E na ausência dos canteiros entre os pilares a tua sombra materializa-se, em laivos cinza semeado de miosótis, era esse o desenho, lembro-me bem. Fecharam os espaços, rodearam-nos de paredes e vidraças, a vida já não passa livremente, fica cativa nas memórias, debruçada na infância e na tua intensa força. Dói-me o abandono da casa, dos terrenos em volta mas já não me dói a tua ausência, absorvi-a em mim, espalhei-a brandamente cobrindo tudo, é como este sol protegendo-a.
Despedi-me da casa, por isso vim. Já não me assombra os dias. Os presentes de aniversário devem ser inesperados e eu atrevo-me a oferecer-te estas palavras. Depois da tua ausência, depois de tanto tempo. Nunca te disse, despedias-te de mim e eu sem me aperceber, não voltei a falar-te e o pai seguiu-te nesse silêncio, dias passados. Olho as paredes e os azulejos desapareceram. Tinham o teu nome naquele jeito do pai, de gravar o afecto em pequenos pormenores.


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