22.12.06

a ordem imprecisa das coisas...

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As crianças brincam. Brincam como quem brinca. o paço do terreiro e os sinos mudos. gritam pendurados nos olhos. a árvore conta histórias de vidro baço e os personagens recolhem palavras nos dedos gelados. disse-lhe que o amava enquanto recebia o embrulho das castanhas e lhe pagava os dois euros. eu, ele e o filho dele, reunidos à volta do assador. o brilho do flash, incessante, cansado, e white christmas colidindo com o som do ipod. Mikail pinta eléctricos em aguarelas desmaiadas. levo as sombras, lavadas, sem a máquina e os trilhos. sinto o frio. talvez se fizéssemos amor, diz-lhe o meu corpo. os anjos gélidos e o olhar da mulher dissuadem-nos. penso nas mãos do vendedor de castanhas quando lhe disse que o amava. rugosas, crestadas, negras de carvão. não deve ter ouvido o meu silêncio. Ivan continua a pintar o tecto, única quebra no tilintar dos copos e talheres. há música, mas Ivan continua a pintar o tecto. Yuri partiu. deve fazer muito frio na Ucrânia. como em qualquer parte do mundo. desço as escadas de pedra. apercebo-me que já não existem. pouso os presentes no rio, sem os abrir. sigo-os com os olhos. há um aroma de especiarias no terreiro. Baltazar ou Belchior, talvez. junto à Casa da Índia onde as crianças brincam, brincam como quem brinca. calou-se a música. sei que o poeta adormeceu. sei que voltará no próximo ano.

(...)
Este povo conhece o acordo da vida, sabe que só dormindo
Poderá no ano seguinte o poeta regressar
.

(texto inspirado no poema, Cântico, de Hugo Milhanas Machado. excertos do poema, em itálico)


foto de katia chausheva.

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