16.11.07

sábado, no Grémio Lisbonense

De novo a fotografia de Gilbert Grassaï

à Sara Campino

o seu obscuro palpitar acorda-nos
amantes de um só corpo entre
a luz suspensa da música
Rui Alberto

ela dançava ela dizia o corpo e matisse sentado
matisse trabalhando o duplo dessa dança e desse dizer
e era a anca no papel
e era o seio a mão e era o seio e era a mão no papel e

e eu, conveniência de poeta,
eu observava
ela dançando matisse sentado diante de si

eu era a teceira pessoa
podia muito bem ser a primeira ou mesmo a única pessoa
é tudo uma questão de perspectiva e há quem não saiba
quem simplesmente não saiba trazer uma cruz

ali, naquela sala,
a cada um a sua forma de estar vivo
uma feita de dança
uma feita de dança e papel
e a outra, a minha,
feita apenas de luz.

Hugo Milhanas Machado


eu que não sou poeta, que da poesia apenas conheço o deslumbramento de madrugadas dizendo-se nos lábios, e dos cânticos o silêncio latejante do sangue, eu que não sou poeta, digo, venho a este cais acenar que este barco vai de saída e eu sem palavras para lhe embalar a viagem. Venho ao cais, acenar ao vento de quem espera nos anseios mais largos boa-nova da pura palavra desconstruindo o tempo, venho colher a metáfora-flor a cravejar no céu da boca e o verso dizendo-se em espanto, indefeso olhar de quem conhece a luz pela altura da noite. Venho ao cais, ainda, saber do mundo debruçado nos signos, ouvir a canção dos que partem para longe, o som dos poemas, vasto azul nos corações que até sabem inventar o amor, o amor de partir. E, se o belo está em sabê-lo anterior à língua, venho ao cais, uma última vez, olhar o indizível, (e citando Fiama), o olhar total que não pode ser cantado nos poemas e na música porque é tão-só próprio e bastante.


(poema e excertos a itálico, no texto, de Hugo Milhanas Machado)