28.4.08

1 de Janeiro



Decidi anotar de hoje em diante neste diário coisas que até aqui não ousava confiar-lhe...Iku-ko, minha querida mulher que amo, não sei se lês realmente este diário às escondidas, ou não... Mas, se o lês, acredita em mim, este diário não contém nada de imaginado, tudo o que nele está escrito é verídico.
Naturalmente, não tenho a intenção de escrever aqui somente coisas que agradem à minha mulher. Terei de escrever coisas que não lhe agradarão, que lhe irão ferir os ouvidos... Escrevo tudo isto porque já não suporto não ter com a minha mulher conversas explícitas sobre a nossa vida íntima. De hoje e diante, sem me importar de saber se ela o lê às escondidas ou não, escreverei neste diário com a sensação que começo com ela uma conversa indirecta.

4 de Janeiro
Há muitissimo tempo, naturalmente, que sei que ele escreve um diário, que o fecha à chave na gaveta da mesinha, enfim, que esconde esta chave umas vezes entre os numerosos livros da estante e outras debaixo do tapete. Contudo faço uma distinção entre o que posso e o que não devo saber...não lerei nunca o seu diário. Não quero transpor os limites que fixei a mim própria, penetrando nos segredos da alma de meu marido. Tal como não gosto de revelar aos outros o que me vai na cabeça não sinto curiosidade em saber o que os outros têm no íntimo de si mesmos. Além disso, se ele quer que eu leia o seu diário, é porque talvez contenha mentiras. Não está, forçosamente, escrito só com coisas agradáveis para mim. Meu marido pode escrever e pensar o que lhe apetecer, eu faço o mesmo.
A verdade é que também comecei este ano a redigir um diário. As pessoas como eu, que não contam aos outros os seus assuntos, têm necessidade de os contar a elas próprias. Mas não cometo a imprudência de deixar meu marido suspeitar que escrevo o meu diário.
A primeira razão que me levou a escrever este diário, foi conhecer o sítio do caderno do meu marido, enquanto este não saber sequer que tenho um diário, e esta superioridade regozija-me ao máximo.


Junichiro Tanizaki, A Confissão Impúdica (A Chave)
(excertos da obra)

6 comentários:

dora disse...

não conhecia...
vou espreitar, porque,
ao contrário dela, não resisto ;)
(obrigada)

Anónimo disse...

é impressão minha ou isto resume bem o absurdo das relações humanas? em que os desencontros ganham claramente aos encontros.
e o mais giro é que estes desencontros precisam dos encontros para existir. e sabem bem disso.

musalia disse...

(ela também não resistiu, embora diga o contrário;)

lê, uma pequena maravilha (pequena pelo tamanho físico do livro)
:)

musalia disse...

tinta no bolso, é preciso ler a obra para entender as circunstâncias destes encontros/desencontros...

digo 'destes' porque a vida está cheia de tantos outros.

firmina12 disse...

e a "Naomi"? - livro ainda mais estranho, comovente e que se instala em nós

musalia disse...

Esse ainda não li, firmina12. Este, devorei-o num serão :)