"(...) subtiles analogies qui unissent l’irréelle et fugitive édification des sons à l’art solide..."
(Paul Valéry, Eupalinos )
As minhas pesquisas em Arquitectura levaram-me a peregrinações singulares e a recordações inesquecíveis. Afastado o bulício semanal, os domingos ofereciam a calma necessária a essas incursões e lá ia eu, imbuída de verdadeiro espírito investigador. Um dos objectivos englobava a descoberta das obras de estucaria de João Grossi, em igrejas e palácios e as zonas da Baixa e do Bairro Alto continham alguns exemplares de ornamentações do mestre italiano. Numa tarde solarenga, desci calmamente a Rua Garrett depois da pausa irresistível na Brasileira para um aroma de café e, deixando para outro dia a visita à Igreja dos Mártires, comecei a subir em direcção ao Carmo. Logo no início à esquerda, detive-me na soleira de uma igreja abrigada na sombra de uma árvore. A memória reconhecia-a, sempre ali estivera embora nunca a tivesse visitado. A curiosidade surgiu pela presença de um grupo de quatro pessoas, duas delas com instrumentos musicais, que desciam a calçada e, com ar decidido, franquearam o portal. Fiquei curiosa, a perspectiva de um concerto de música sacra aguçou-me a vontade e entrei. A nave estava apinhada, assim como os espaços laterais, mas consegui um lugar junto à entrada e sentei-me em expectativa. Junto ao altar reconheci o quarteto, as presenças masculinas haviam retirado os instrumentos musicais, duas guitarras, e alternavam com duas figuras femininas que se mantinham de pé, silenciosas. Perante o meu espanto entrou o sacerdote e deu-se início a uma inusitada homilia. Poucas foram as palavras introdutórias e, no espaço do templo ouviu-se o som das vozes e das guitarras que entoaram, em fado, o ritual que eu conhecera até ali.
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