23.6.04

O DESERTO

Nunca estive no deserto, não nesse deserto. Mas longe dele ofereci-te a sua imagem para que ficasses próximo. Não que desejasse seguir-te, não poderia, apenas te acompanhava no movimento das mãos em palavras desenhadas pelos dedos esguios, douradas de grãos de areia colhidos na pequena cratera que o vento sulcara. E partilhava, no brilho gaiato do sorriso a sombra que o sol estendera ao afastar-se. Essa imensidão enraizara-se-te na alma e escorria como um sulco, gravado pelos passos percorridos, não permitindo outra estrada que esse trilho reencontrado ao amanhecer de cada dia. E as horas eram sugadas na voragem de um quotidiano louco que não querias diferente, no desajuste de tempos e espaços. Abraçavas a tristeza como uma sombra de que não era possível afastares-te e mergulhavas no deserto que a imagem te devolvia e que eu, tão carinhosamente, te oferecera.

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