13.6.04

O ÚLTIMO VOTO

Nesse dia corri, corri contra o vento até exaurir o fôlego, na impotência de te ajudar. Quase como que a penalizar-me pela vitalidade que, aos poucos, se ia separando de ti.
Por isso sempre me toma um sentimento de pânico em dia de eleições. Por essa imagem, a última do teu último voto, olhos ensombrados não pelo desânimo que esse nunca demonstravas, mas pela recusa de uma vida menos digna pela doença te negar autonomia. Tu que, orgulhosamente, lideraras o teu percurso, sem ajudas, numa determinação de construires sozinho os muros que nos protegiam. E o teu olhar encontrou o meu, e eu senti-me perdida em fúria, impotência e culpa pela minha vitalidade não te emprestar a força que te faltava. Mas o que mais me atingiu foi a sombra de desgosto por expores aos outros a tua fraqueza. Engoli as lágrimas, e consegui não esboçar o gesto de ajuda que começara a delinear e que sabia tu irias recusar num movimento áspero. Não por falta de amor, sempre nos amaste a todos profundamente, pretendendo embora distanciares-te dessa proximidade que te assustava como que a protegeres-te dos afectos, mas porque para ti o estabelecido e natural era o teu cuidado velar por nós. E lá te arrastaste, tremulamente cruzando o pequeno quadrado em que nunca vacilavas. E hoje, quando cruzei o mesmo espaço, adicionei o teu gesto, como sempre faço, perpetuando a tua vontade no mesmo pensamento que nos unia e que me ajudaste a construir ao longo da vida.

Mas nesse dia, corri, corri contra o vento...

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