As montras retribuíam a sua imagem, gasta, agasalhada em desânimo, de quem não lembra épocas festivas. E era Natal. Suavemente deslizou por entre o burburinho das ruas, desviando o olhar dos risos pendurados nas palavras, trocadas entre quem enchia o empedrado de distâncias que se deixavam percorrer.
A tarde ia pelo meio, subia suave em tonalidades cada vez mais opacas, espalhando as últimas résteas de luz, projectadas em sombras nas paredes das casas. O tempo corria e as mãos vazias não achavam a forma, o desenho de ideias. Nem a casa, acolhida no recanto da rua, acalmava a ansiedade que lhe atormentava o pensamento. Encostada aos degraus de pedra, ganhara-a em heranças desavindas onde a lei não contempla carinhos nem memórias. Mas vencera, alguém a ajudara, sem pedir recompensas nem dádivas. E agora, por ser Natal, desejava um mimo que demonstrasse a gratidão que lhe ia na alma.
Pousada no patamar da escada, florescera a laranjeira e os frutos redondos, túmidos, há muito se tinham consumido na mesa parca das refeições diárias. Acariciou a folhagem, em gesto grato . O movimento da cabeça acompanhou som de algo rolando nos degraus. Apanhou a laranja que caíra, um sorriso iluminando a tristeza do rosto. Fez o caminho de regresso. Olhou a placa e tocou a campainha da porta. Perante o olhar surpreendido, estendeu a laranja e balbuciou:
- Não tenho mais nada para lhe oferecer.
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