17.9.04

O Plátano


(Matisse, Le platane )

Tinha sido um convento, remodelado apenas ligeiramente, acrescentado de uns pavilhões em zona recatada, onde ficavam as camaratas das jovens estudantes. Isso fora antes, agora era apenas o Externato de Santa Catarina.
Ficava na plataforma a seguir aos velhos degraus de pedra, na ala mais antiga. Aí já nada crescia, o terreno ficara abandonado, e o plátano centenário, erguia-se solitário, espreitando os jogos no campo mais abaixo. Abarcava a sombra de risos juvenis, numa roda de segredos e sussurros em resmalhar de saias, crescendo ainda sobre o telhado da grande cozinha conventual, dependência esquecida em jeito de arrumos.
Junto à escadaria de madeira, no segundo piso, situava-se a capela. Em semi-penumbra, os bancos escuros serviam de refúgio nas escapadelas às aulas menos apetecidas. Cortinados de veludo azul ferrete protegiam as portas e amorteciam os ruídos. Nesse ambiente difuso a sua presença destacava-se. De porte majestoso, cobria o corpo de vestidos, saias e blusas, terminando, invariavelmente pelo casaco comprido, Inverno ou Verão. Aconchegando os cabelos brancos, o chapeuzinho de feltro, amarrotado e preso por um pregador no lado esquerdo. Na mão, a trouxa de roupa que teimava em levar quando, ao romper do dia se perdia pelos campos, fechada no seu mundo de demência, que a libertava de um sofrimento de perda extrema. E regressava, coberta de flores campestres, como personagem de um bailado romântico. Habituei-me a chamar-lhe Giselle.
Memória da minha infância, vagueava pelas ruas entrando em cada casa e as portas abriam-se, silenciosamente, deixando-a pairar como sombra transparente a quem ninguém perturbava ou ligava sequer.
Como o velho plátano. Permanecia e acolhia-nos e nem dávamos por isso.

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