(Cherikov, Lavendelfeld mit Baum )
Chamo-lhe o cipreste. Alto, de porte fino, cabelo branco, levemente comprido, acena na curva do passeio, como se a aragem fizesse dançar o seu corpo de árvore solitária. Sempre à mesma hora, a volta das seis da tarde encontra-o numa avenida do Restelo, parecendo esperar não sei o quê, vindo não sei de onde. Por vezes agita as mãos, como se saudasse alguém que só ele apercebe, em imagens adormecidas na memória e reencontradas no vazio do olhar, perdido em distâncias impossíveis de seguir. O rosto afilado, escondido por óculos escuros, não deixa entrever a expressão dos olhos.
Hoje, algo me fez virar a cabeça depois de cruzar a sua figura pousada em silenciosa espera, no lancil do passeio. Invocando qualquer deus da sua devoção interior, desenhou uma cruz com a mão direita, regressando logo a seguir, à posição de vigia de um horizonte longínquo.
Não me lembro de ter falhado o encontro um dia sequer. E fico ansiosa se não o distingo logo, assim que a estrada se alarga. Invade-me o mistério desta presença desconhecida, sofrida em alguma encruzilhada da vida.
Quase reconheço o medo de um dia não o encontrar, agitando a folhagem na aragem dos caminhos, acenando estranhos gestos a sombras imaginárias.
E quase reconheço, também, o receio de um dia descobrir os segredos que esconde a sua figura de cipreste solitário.
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