
Elena Gorodenskaya, wedding dress detail
Há quem deteste a maioria dos transportes públicos. Eu não sou excepção. Porque demoram a chegar, fazem-nos esperar horas ao frio, ao calor, obrigando-nos a suportar o ruído ensurdecedor dos carros que passam ininterruptamente. Mas há um factor que me atrai neles. O contacto humano. A observação do outro.
Ontem, apanhei o 28, como faço muitas vezes. Encostei-me à janela, no átrio de saída. Gosto de me balançar ao ritmo do movimento do autocarro, sentindo a estrada, as curvas, as diferenças do pavimento, equilibrando-me e dobrando o corpo em sintonia absoluta com o veículo. É quase uma espécie de jogo.
Como sempre, perdi-me no brilho do Tejo, nos edifícios ribeirinhos, nas orlas quebradas pelo rumor da água. Lentamente, apercebi-me que ficara desatenta. Um qualquer ruído entrara nesta minha reflexão de percursos. Virei-me e olhei uma jovem, a poucos metros, de pé como eu. Chorava angustiadamente. O pulso esquerdo esfregava o varão a que estava agarrada num movimento de desespero confrangedor, enquanto a cabeça abanava em espasmos de incredulidade. Numa corrida, galgou o corredor estreito e sentou-se no banco por trás do condutor. Aí, abandonou-se a uma dor profunda, em soluços incontrolados. Todos nós a olhávamos. Ninguém se mexeu. Ninguém tentou pousar sequer um dedo no seu braço, pelo menos em sinal de conforto.
Entre a filhinha doente que deixara em casa e a subsistência precária do emprego, o desespero tomava-a em total impotência perante a situação. Assim percebi através da invectiva seca, desumana de quem não quer saber de razões perante o atraso de alguns minutos.
Saiu numa qualquer paragem.
Acendemos velas, fazemos minutos de silêncio, contribuimos com donativos para vítimas de tragédias naturais ou não. Vítimas que são indivíduos e em que a vida de nenhum deles é mais importante que a do vizinho do lado. Mas não fazemos nada, ficamos inertes, quando os dramas individuais se desenrolam à nossa frente. Passamos ao lado, fingimos que não percebemos. Perturbamo-nos à superfície, como convém. Afinal, não é nada connosco.
Aqui, também não fui excepção. Não esbocei um gesto. Limitei-me a olhar.
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