Eu podia matar o frade. Eu podia devolver à vida o amado de Florinda. Eu podia até apagar a Florinda das folhas desse romance. Mas nem assim tu terias paz. Porque a trama continuaria viva na tua cabeça. Por resolver. Por descodificar.
O ciúme. Sempre o ciúme a tomar conta das relações e a subvertê-las. O "arquétipo do drama do ciúme e do ciumento e ao mesmo tempo do ciúme como tragédia" como diz Eduardo Lourenço. Florinda ama quem a ama mas não ama aquele que a vai ferir por amor. Ou por ciúme. Neste caso o amor realiza-se, possibilita-se, através da morte, não de Florinda mas do rival. Mas é um amor unilateral em que pode até realizar-se o estado catártico que justifica o acto do ciúme e provoca o reencontro do indivíduo, mas não aquieta quem mata nem traz a paz de Sara. Porque essa só será alcançada quando Florinda, o frade e a tragédia se diluírem nas páginas não do romance mas das outras que Sara constrói cuidadosamente, lentamente, mas de forma segura e reflectida.
E se o frade interrompesse a sua narração, tu inventarias uma qualquer continuidade, talvez Florinda se acolhesse no seu amor ou, pelo contrário, se tomasse de amores por quem não ama. E então, quem matou sofreria o ciúme de quem personificou a justificação dessa "tragédia suspensa" à espera da tua interpretação como acto extremo. Mas apenas inverterias o processo que te tira a paz.
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