12.8.04

A buganvília



Tinha que se construir um canteiro suficientemente fundo para a buganvília criar raízes fortes e suportar a ramagem. Com o tempo, iria cercando as paredes e envolvendo a casa na colorida armadilha da sua floração. Os alicerces despontariam na superfície estreita entre o portão e a faixa exterior do terraço principal. Mas nunca foi plantada e o canteiro não passou de projecto. Por qualquer razão oculta, inexplicável, o pai enfurecia-se sempre que se nomeava a almejada buganvília. E a mãe entristecia mas resignava-se.
Vinha de longe a paixão pelas flores, achou que a herdou da avó que as espalhava em profusão pelos quintais, em vasos, cântaros bojudos e até em velhos alguidares.
A infância, agasalhou-se em tecto amplo, de casa senhorial sem distinções armoriadas, daquelas longas habitações recortadas por escadarias ligando pequenos jardins recolhidos. O espaço superior, derramado em escadinhas de convite ao portão, era o que a mãe enchia de flores em explosões de cor. Longos canteiros delineados nos cantos das paredes, subindo os degraus, acolhiam as rosas trepadeiras, miúdas em tamanho mas repletas de perfume lançado sobre o amarelo vivo sombreado de castanho das estrelas do Egipto, a gipsofila misturada ao azul dos miosótis, as despedidas de verão, os crisântemos, os cravos túnicos e o enorme espaço das hortenses. A roseira branca, soberba pelas pétalas acetinadas, tinha honras de destaque, junto à entrada principal. O pessegueiro, que só dava fruto em anos desencontrados, e a ameixieira amarela, quase bravia e sempre prenhe de vida, protegiam do calor excessivo os dois canteiros maiores, onde se exibiam os gladíolos e as cravinas cheirosas. Até uma estranha alfarrobeira surgia no buraco de um muro, oferecendo as suas vagens adocicadas que gostávamos de mordiscar. O limoeiro, isolava-se noutro espaço, nada impedindo o despertar contínuo dos seus frutos.
As buganvílias surgiram quando o aldeamento se construíu e os campos em volta se desvirtuaram das suas características originais. A mãe, rapidamente se deixou tentar por estas extensões de folhagem semeada de cachos alegres. Imaginava a mistura das cores, combinando o ciclámen ao lilás forte, o branco ao alaranjado entremeado pelo amarelo claro. Mas o pai não se deixou seduzir, a paixão pelas flores não o acompanhava. E a buganvília, namorada pelo olhar, permaneceu sempre no sonho destas paredes que nos abrigam no Verão.
Depois da ausência, pensei concretizar esse sonho acolhendo as buganvílias, mas o sorriso da mãe arrastaria o olhar zangado do pai e destruíria as memórias gratas desse tempo.

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