[Picasso, Le Repos ]
Diria que a desilusão da chuva não trouxe a desolação de uma manhã ausente de sol. Talvez ainda venha a surgir, como aconteceu ontem. Se isso não acontecer será uma pausa, molhada mas relaxante a dias de permanência à beira mar na confusão de vozes, bolas atiradas a quem está, como eu, tentando cavar piscinas e construir muralhas fazendo, uma outra pausa, na leitura. A abstração total ao barulho em volta não se concretiza na totalidade, não é que não apreceie a companhia dos outros mas estes "outros" não me dizem nada, fazem-me uma espécie de urticária (deve ser por isso que a minha pele arde e não pela exposição descuidada de umas horas seguidas ao sol...).
Um dos grandes prazeres da praia é poder ouvir o mar. Olhá-lo, naquele espanto sempre novo de quem descobre infinitas colorações e movimentos, por isso nunca sacia. É como um amante que se vai descobrindo e nunca cansa pela certeza do gesto ou pelo eco do som cantado e repetido ao infinito. Esse diálogo usufruído no despontar do dia em que tudo paira sem pesar, à nossa volta, em que é possível sentir a quietude da natureza, ela própria desperta apenas no recolhimento da madrugada, é o momento único de comunhão, de pertença e de entrega total. E então, a paz envolve-nos, abraça-nos e mais nada é possível senão ceder-lhe.
Passado e presente entrecuzam-se como imagens sobrepostas que desdobro perante o olhar e a memória. Largos areais, recantos divididos pelas rochas, pequenos lagos onde os raios de sol penetram em reflexos de céu azul, abertos apenas aos nossos olhos inocentes e acolhendo, na areia intacta, o formato dos nossos passos hesitantes. A adolescência trouxe a descoberta de outros passos, a nossa curisosidade atenta, permitindo e partilhando outras presenças. Paraíso descoberto e, por isso, de regresso impossível ao estado original.
A passagem dos anos deve trazer-nos este desejo de recuperação, de silêncio necessário quando os nosso pensamentos se tornam inaudíveis.
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