16.8.04

A palavra e o silêncio

Gosto muito de ler os textos de Partilhas. Como gosto de ler muitos outros. Hoje falarei das suas reflexões, outro dia poderei abordar outros espaços. Preciso dizer-lhe da poesia saltitante das suas palavras, da beleza sentida e, por vezes, dolorida, das imagens que tira da alma e expõe perante os olhos de quem a lê. Muitas vezes, emudeço. Quero falar e não consigo. É aquela sensação de profanar o tal "limiar sagrado" de que fala Anna Akmátova e que ninguém deve ultrapassar. Por isso, Partilhas, retira a possibilidade de comentar. E a minha admiração cresce com esse silêncio exigente e exigido. E o meu respeito, também.
Ontem falou sobre o silêncio da palavra e do sentir. Sobre a dificuldade de admitir a saudade. E, por arrasto, a incapacidade de dizer quanto se ama.
De pais e filhos se falava. Disse-se e sentiu-se sobre distanciamentos, gap de gerações, hábitos culturais. Experiências diversas foram confessadas, lamentos e desejos de contrariar, futuramente, o que se vivenciou. Nas gerações futuras.
A minha, não escapou à tal regra distanciada de verbalizar o quanto se ama um filho. Mas o sentimento era sólido, sentia-se nesse silêncio de resguardar, cautelosamente, as emoções. Não por não se cuidar, não se sentir o coração quebrar de preocupação até pela possibilidade prosaica de se magoar um joelho, mas pelo pudor de expor os sentimentos. O ar sério disfarçava o gesto meigo que não se divisando, se esboçara já no coração. Debruçado sobre a atenção cuidada a um rosto febril ou à vigilância severa do prato que devia ficar vazio. Magoaste-te, eu bem te avisei! E a aspereza escondia o sobressalto de uma ferida sangrando. A ternura saltava em catadupa, e encontrava-se nas histórias partilhadas sobre cada personagem da família. Talvez pertença das famílias grandes, o beijo e o sorriso eram divididos a ponto de apenas aparecer a sua sombra. Mas as barreiras construíam-se em protecções sólidas que nos estruturavam ao longo da vida.
Contrariando as aparências, poemas de amor encheram páginas, folhas riscadas em papel fino, amarelo claro, em momentos de separação involuntária. Entre o continente e as ilhas. Mas essas, guardadas pela mãe, furtivamente reveladas quando arrumava a caixinha de madeira, permanecem intactas aos nossos olhos. Por esse respeito ao tal "limiar sagrado". Por essa ausência de comentário que, como Partilhas, nos impusemos a nós próprios.

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