12.9.07

a varinha de condão...


Cinco livros de leitura recente. Deles, deixarei excertos. Qualquer apreciação minha seria um ruído na beleza dos textos. Direi apenas do meu recorrente fascínio pela escrita de Dylan Thomas.

Uma visão do marDylan Thomas:
"Acorda", disse-lhe ela ao ouvido; as personagens de ferro estavam no sorriso dela, e o Éden confinou-se à sétima sombra. Disse-lhe que a olhasse nos olhos. Ele pensara que eram castanhos ou verdes, afinal eram azuis marinhos com pestanas pretas, e o cabelo espesso era preto. Ela ondeou-lhe o cabelo, e pôs a mão dele no fim do seu peito de modo a ele saber que o bico do coração era vermelho. Ele olhou-a nos olhos, mas faziam do sol um vidro redondo, e ao afastar-se asperamente ele viu através das árvores transparentes; ela podia fazer de cada árvore um longo cristal e tornar o bosque da casa em gaze. Ela disse-lhe o nome, mas enquanto falava já ele esquecia; ela disse-lhe a idade, e era um número novo. "Olha nos meus olhos!", disse ela. Só faltava uma hora para a noite literal, as estrelas iam aparecendo e a lua estava pronta. Ela pegou-lhe na mão e levou-o a correr por entre as árvores pelo cume do monte orvalhado, pelas urtigas a florir e as flores fechadas da erva, pelo silêncio até à luz do sol e ao barulho da rebentação na areia e na pedra.
…e porque é encantatório:
"Levo-te a correr para o mar", disse ela, e os seios saltavam-lhe ao correr à frente dele, o cabelo revolto a esvoaçar, até à orla do mar que não era feito de água e aos seixos miúdos e trovejantes que se despedaçavam em mil bocados quando o mar secava.
"Volta! Volta!"” gritou o rapaz à rapariga. Esta correu descuidada sobre a areia e perdeu-se entre o mar. A cara dela, era agora uma branca gota de água no aguaceiro horizontal e os seus membros eram brancos como neve e perdidos na branca maré que caminhava. O coração no seu peito era agora um sininho vermelho que tocava dentro duma onda, o cabelo incolor orlava a espuma, e a voz enrolava sobre a água de carne e osso.

…e porque não consigo parar a magia de Dylan Thomas:
Ele voltou a gritar, porém ela misturara-se com as gentes que iam e vinham. As marés deles eram atraídas por uma lua grave que nunca perdia um arco. Os seus longos gestos marinhos eram deliberados, as mãos espalmadas acenavam, as cabeças levantadas, os olhos nas caras de máscara fixos numa direcção. Oh! Onde estaria ela agora no mar? Entre os brancos, os que caminhavam e tinham olhos de coral. "Volta! Volta! Amor foge do mar." Entre as ondas processionais. O sino no peito dela tinia sobre a areia.
Era uma vez uma história sussurrada na voz da água que apagava o eco das árvores por detrás da praia nas cavidades douradas…

Quando atravessares o rio - Ana Teresa Pereira:
Pensou por momentos se aquele homem também lhe ia partir o coração. Gostava das palavras, partir o coração. O seu pequeno e duro coração que se revelava tão fácil de partir.

A dançarina de Izu (A lua na água) – Yasunari Kawabata:
Kyoko costumava sentar-se ao pé da cama dele – e falava-lhe do mundo no espelho. Olhavam os dois. Mas à medida que o tempo foi passando, Kyoko tornou-se incapaz de distinguir o mundo que ela via directamente e o mundo do espelho. Havia então dois mundos separados – e ambos com direito a existir…Após as chuvas fortes, costumavam olhar os dois fixamente para a lua, no espelho, por meio do seu reflexo no tanque do jardim. E dentro do coração de Kyoko existia ainda uma lua que mal podia ser denominada de reflexo de reflexo.

Les yeux ouverts (Entretiens avec Matthieu Galey) – Marguerite Yourcenar:
L’humanité n’est qu’un mot abstrait: on peut, malgré leurs défauts - que sans doute contrebalancent les nôtres - sympathiser avec les êtres qu’on rencontre, ou penser tout au moins aux possibilités infinies qui existent dans chacun d’eux. Dans le Japon medieval, des moines adonnés à cette devotion particulière s’agenouillaient devant chaque personne qu’ils rencontraient:"Je te salue, ô toi qui dans des milliers de siècles sera peut-être un Badhisatwa". Sans se referrer à une evolution aussi lente, qu’est-ce qui nous empêche de dire, devant chaque personne rencontrée, surtout quand son ignorance ou sa suffisance ou sa méchanceté nous blessent: "Sallut, toi qui mourras un jour, et mourras peut-être un peu plus sage que tu ne te montres en ce moment".

Contemplação Carinhosa da Angústia (Dostoievski e a Peste Emocional)– Agustina Bessa-Luís:
"Você contagiou-me da sua inquietação e desassossego, Nastenka, até ao ponto de me ter esquecido do tempo" - diz o herói das Noites Brancas, o noivo dessa cidade boreal e cujos cantos estranhos o sonhador percorre em idílio profundo. "Nunca estará só" - diz-lhe Nastenka, como despedida. Essa é a prova do amor incorrupto, o legado dum coração que nem é fiel, nem desiludido. É apenas um coração humano, capaz de um momento de felicidade, um só momento, e a vida toda está nele. Dostoievski dignifica esse momento das Noites Brancas, em que pedir um pouco mais seria interromper o próprio devaneio em que o tempo é esquecido e o homem salvo, por um momento.


foto de lilya corneli

16 comentários:

sophiarui disse...

bom sentir o teu regresso pleno de outros regressos...

bem-vinda de volta!

Hugo Milhanas Machado disse...

Bem-vinda, de volta.

***

HMM

Sophia disse...

Welcome back!

E vou acrescentar mais uns títulos à minha lista de livros para ler. Os primeiros dois deixaram-me curiosa.

;) Baci

Anónimo disse...

Finalmente, o regresso.
Bjs

Cometa 2000 disse...

tardou... espero que bom sinal.

antes de mais, bom ler-te.

musalia disse...

sophiarui, obrigada:)
muito sossego e algumas leituras (essas sempre presentes)

musalia disse...

hmm...obrigada:)

** e *

musalia disse...

sophia, belissimos os contos de Dylan Thomas. De Ana Teresa Pereira, gostei muito de A Neve.
bjs.

musalia disse...

cláudia, vou regresando :)
bjs.

musalia disse...

cometa 2000,tomo os dias como se me apresentam:)
bom saber-te no jardim!

Mikas disse...

A leitura é uma óptima companhia

eyeshut disse...

já me fazia falta esta música.
já me faziam falta as tuas fotografias.
já me faziam faltam as palavras que deixas aqui.

...*

clarinda disse...

Obrigada por falares e deixares falar a s tuas leituras.

Um beijinho, moriana

musalia disse...

tanto tempo, Mikas! a leitura e os amigos, também :)

musalia disse...

eyes shut, o teu entusiasmo traça sorrisos nestes dias incertos

musalia disse...

laerce, nada que a afilhada não peça e a madrinha não atenda:)

beijinhos.