Sim, ela, a extricar um muro : “Deixa-me entrar no teu enredo. Convocar-te. Vou sem pressa, imprecatada, na cegueira. Vou, serena, palpitando o tempo, entranhando a ilusão. Sim, pela portada, vou. Vou, no espírito, sentindo a carne. Sim, vou entrando pela penumbra. Deixa-me, com lentidão - tenho pavor do espaço. Quero adormecer, para, sem impaciência, ociosa, entrar, com as sombras. Depois, quero ficar aí, ao pé das pinturas dessa obscuridade do interior, onde a realidade cambia com a ficção. Por isso, devagar. Deixa-me internar-me aí. A tua secreta paixão exsuou o corpo, sim. Venéreo. Com o vapor escorrendo como lágrimas que corroem a matéria idêntica. E o teu desejo, assim, húmido, olhando para si. E, depois, os dedos inertes, dentro da casa, onde – o lugar dos sinais e das figuras – agoniam. Sim, a casa, o espaço incasto. Deixa-me, com urgência, entrar; tenho pavor do espaço. Deixa-me rememorar os passos cada um. Celebrar esquisitamente o teu dédalo. Deixa-me caber nessa recordação, para depois me abandonar munda no rasgão, na entrada, esquecer, cruzando esta frincha, e tomar todas as frestas e gretas da contusão, da estocada que me trespassou até ao medo de todo o lugar e extensão. Incesto. Deixa-me entrar na delusão. Sim, deixa-me entrar, para me abandonar e esconjurar. Tenho pavor do espaço.”
20 comentários:
Devia sofrer de agorafobia... :)
quem sabe, Klatuu...:)
O medo é uma gota de fina água...
Doce beijo
uma gota que não sacia...
um beijo, alquimista:)
...o pavor do espaço...é somente a inquietação da essência no quotidiano do desconhecido.
Bj.
O medo transborda-nos...
"estou só e cheia" de nada...
abraço
Perfeito!
A solidão consegue ser bastante assustadora!
Adorei!
;) Baci
O espaço pode ser bastante assustador. Acrecentando a solidão.
Beijos
quem sabe o espaço também não está só e cheio de pavor...?*
familiar esta sensação, esta solidão dói.
a foto é muito bonita.
Beijinhos
mateso, ou daquilo que conhecemos demasiado...
bj.
até que pode ser, cristina:)
muito interessante, Sophiarui...
(logo te respondo;)
sophia
bem vinda também ou, como dizes, assustadora :)
bj.
agua quente
acrescentando o eco do silêncio...
beijos (aos dois)
é isso, Inês :)
laerce
achei-a muito bela, alguém agarrado às grades do lado de fora. curiosamente a autora du-lhe o nome: 'porta azul' :)
beijinho.
“Quando entrar é sair”
Sim, ela, a extricar um muro : “Deixa-me entrar no teu enredo. Convocar-te. Vou sem pressa, imprecatada, na cegueira. Vou, serena, palpitando o tempo, entranhando a ilusão. Sim, pela portada, vou. Vou, no espírito, sentindo a carne. Sim, vou entrando pela penumbra. Deixa-me, com lentidão - tenho pavor do espaço. Quero adormecer, para, sem impaciência, ociosa, entrar, com as sombras. Depois, quero ficar aí, ao pé das pinturas dessa obscuridade do interior, onde a realidade cambia com a ficção. Por isso, devagar. Deixa-me internar-me aí. A tua secreta paixão exsuou o corpo, sim. Venéreo. Com o vapor escorrendo como lágrimas que corroem a matéria idêntica. E o teu desejo, assim, húmido, olhando para si. E, depois, os dedos inertes, dentro da casa, onde – o lugar dos sinais e das figuras – agoniam. Sim, a casa, o espaço incasto. Deixa-me, com urgência, entrar; tenho pavor do espaço. Deixa-me rememorar os passos cada um. Celebrar esquisitamente o teu dédalo. Deixa-me caber nessa recordação, para depois me abandonar munda no rasgão, na entrada, esquecer, cruzando esta frincha, e tomar todas as frestas e gretas da contusão, da estocada que me trespassou até ao medo de todo o lugar e extensão. Incesto. Deixa-me entrar na delusão. Sim, deixa-me entrar, para me abandonar e esconjurar. Tenho pavor do espaço.”
F. Castro
nando, o sábio Ferreira de Castro, uma maravilha para a leitura.
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